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Parece que a velha rixa envolvendo surfistas e pescadores nunca terá fim. Nem quero entrar na questão
das redes de pesca, verdadeiras armadilhas que já vitimaram 49 surfistas no Rio Grande do Sul. Na última semana surgiram histórias bizarras sobre as aventuras de alguns surfistas no entorno da
plataforma de Cidreira, uma das três existentes no litoral norte gaúcho. Xingamentos, agressões, intimidações e ameaças estão cada vez mais constantes por parte dos pescadores e usuários do local,
que reivindicam o espaço com exclusividade, como se aquela área fosse sua propriedade. Apavorado, escutei o relato de um amigo, que ao surfar no local, semanas atrás, sofreu ameaças verbais,
cusparadas e até foi alvo de chumbadas. Por sorte, o meliante não tinha pontaria suficiente para acertá-lo, pois as conseqüências poderiam ser fatais.
Na hora, fiquei pensando: o que há
dentro da cabeça de um sujeito que chega a este ponto? Mal sabe o ignorante que, premeditando e acertando de fato uma chumbada em qualquer pessoa, está sujeito a processo por lesões corporais e até
homicídio. O Código Civil Brasileiro classifica as praias marítimas como bens de uso comum, sendo assim, não há respaldo algum para que uma pessoa saia impune no caso de arremessar qualquer objeto,
com intuito de acertar ou não, em alguém. Em tese, não existe lei no Brasil que diga que ali não se possa passar, seja sobre uma prancha ou a nado. Nem mesmo as plataformas são totalmente
legalizadas, pois se não me engano não existe ato administrativo, legal ou não, que legitime a utilização de um bem de uso comum por particulares. Como pode então, existir um “clube” - que cobra
mensalidade – construído em local de uso comum?
Mas já que este tipo de construção foi permitido lá nos anos 70, e facilita a vida de surfistas e pescadores, porque seu uso não pode ser
comum e civilizado? E nem digo tanto pela plataforma, e sim pelo espaço onde ela foi construída. Os surfistas não agridem todo o pescador que coloca redes no mar. Nem mesmo com as seguidas mortes no
litoral gaúcho, se tem notícia de que algum pescador tenha sido linchado por isso. O surfista sabe respeitar a atividade (de sustento ou não) do pescador. E porque o pescador não pode respeitar a
atividade (de sustento ou não) do surfista? No caso das plataformas, dois tipos de esportistas dividem um espaço de uso comum, cada qual praticando o seu esporte. Em países desenvolvidos, como Estados
Unidos, por exemplo, os surfistas convivem em paz com os pescadores, cada um sabendo de suas responsabilidades e limites. Diferentemente do que acontece no nosso país, na “gringa” não há espaço
para impunidade, e a educação do povo reflete no bom convívio em áreas de uso comum.
O que precisa prevalecer é o bom senso. A pesca tem milhares de anos, mas o surf cresce rapidamente desde
os anos 80, e muito antes disso, surfistas preferem os piers às longas extensões do litoral gaúcho, sem recortes ou obstáculos naturais. Deve prevalecer o bom senso por parte dos
“esportistas/pescadores” no cuidado ao jogar a chumbada e na percepção da situação. Muitas vezes um único pescador insiste em lançar seu anzol próximo a zona de aglomeração dos surfistas,
como se ali fosse o ponto mais abundante em pescado. De outra forma, o surfista deve utilizar o bom senso para que não seja exceção em área freqüentada por muitos pescadores.
Sei que este
texto pode provocar indignação em alguns “esportistas/pescadores” das plataformas, e que muitos vão dizer que não há motivos para que os surfistas reivindiquem tal espaço, afinal, o mar é
extenso, tem muito lugar para surfar e blá blá blá blá... A estes eu digo: não percam seu tempo! As plataformas são os locais mais seguros – apesar das chumbadas – pois são livres das redes de
pesca. E além do mais, oferecem as melhores ondas. São pontos de referência e parecem nos deixar ainda mais próximos da natureza. Não é birra ou falta de respeito. Em se tratando de uma área
pública, comum a todos, esportistas podem dividir o mesmo espaço com respeito e responsabilidade. Enquanto brasileiros, vivemos sob as regras, leis e limites impostos por esta república. O que
determina tudo isso é a constituição brasileira, formulada em 1988 e situada no topo do ordenamento jurídico.
A constituição brasileira garante o direito de ir e vir dos brasileiros
dentro do território nacional. Gostaria de saber por que SOMENTE no litoral do Rio Grande do Sul este direito não é garantido?
Alguém tem a resposta?
Por Ki Fornari
Foto cedida
por: Beto Rodrigues
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